Tem sido freqüente de um tempo para cá o debate sobre o tema do assédio moral no âmbito das relações entre empregados e empregadores, não obstante o fato em si seja contemporâneo ao início da relação de emprego. Se assim é, por que somente nos dias de hoje começou a se falar sobre o denominado assédio moral? Se o fenômeno não é novo, qual a explicação para que só agora venha à tona?
A expressão assédio significa insistência impertinente, junto de alguém, com perguntas, propostas ou pretensões indevidas. Somando-se à expressão assédio o qualificativo moral, temos a figura da insistência impertinente a alguém com propostas ou pretensões indevidas e indesejadas que atingem moralmente o assediado, provocando situação insuportável, que atinja a dignidade do ofendido.
Ocorre que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não traz, dentre as faltas cometidas pelo empregador ou seus prepostos, nem aquelas cometidas pelo empregado, a figura do que atualmente denominamos assédio moral. Não obstante, ao longo do tempo, antes mesmo da consagração da nova expressão, o artigo 483, alínea "e" da CLT reconhecia como falta "praticar o empregador ou seus prepostos, contra o empregado ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e da boa fama". De igual modo o artigo 482, alínea "b" da CLT sempre considerou falta passível de dispensa do empregado por justa causa a "incontinência de conduta ou mau procedimento".
Vê-se que a lei não contém a figura do assédio moral como justa causa específica, mas sempre foi possível enquadrá-lo nestas hipóteses, do mesmo modo que o assédio sexual, como demonstra a jurisprudência, quando provado o ato ilícito praticado. O que resulta da definição etimológica da expressão assédio moral é que o mesmo se caracteriza pela repetição de atos que ofendem a dignidade da pessoa vítima da ofensa.
Voltando à indagação do início, referente ao crescimento de discussões judiciais sobre assédio moral, acreditamos que a consagração pelo artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado democrático de direito, foi um importante passo na defesa do respeito aos valores mais caros ao cidadão. Isso quer significar que, além do direito do trabalhador ao posto de serviço, ao salário digno, reconhece a Constituição Federal o direito de ser tratado como todo cidadão, merecendo respeito, como contrapartida ao seu dever de respeitar o empregador e seus prepostos.
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A incidência significativa de ações judiciais decorre da importância que a Constituição empresta à dignidade das pessoas
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A doutrina passou a utilizar a expressão assédio moral para conceituar a prática ilícita do assédio que atinge a dignidade da pessoa, ofendendo-o moralmente. Desse modo, sempre que se constata que o empregador, diretamente ou através de seus representantes, age contra o empregado, ofendendo-o em sua dignidade, por meio de atos que se repetem, constrangendo-o ou humilhando-o perante os demais, estamos diante de uma hipótese de assédio moral.
A ocorrência do assédio moral verifica-se de variadas maneiras, por palavras ou pela prática de atos, atingindo o empregado em seu patrimônio moral, estético, profissional ou de qualquer aspecto pessoal que atinja sua dignidade. Eis porque pode o empregador vir a ser responsabilizado e condenado a indenizar o empregado quando constatada a hipótese de assédio moral com ofensa à dignidade do empregado, configurando dano moral, que implica direito à indenização, à luz do artigo 5º, inciso V da Constituição Federal.
Lembre-se ainda a disposição do artigo 932, inciso III do Código Civil, que responsabiliza o empregador objetivamente pelos danos causados a terceiros pelos seus empregados, serviçais ou prepostos - o que implica o dever da empresa de informar seus empregados, gerentes e prepostos da vedação de atos que possam vir a configurar assédio moral, cabendo-lhe, ademais, fiscalizar os atos por estes praticados, a fim de coibir a prática de atos ilícitos.
Como se vê, a incidência significativa de ações judiciais em que se discute a ocorrência do assédio moral e os conseqüentes pedidos de indenização por danos morais decorre da importância que o legislador constitucional de 1988 empresta à preservação e respeito expressos à dignidade das pessoas. Observe-se, porém, que, em se tratando de fato novo, enseja eventuais abusos na postulação judicial, que devem ser coibidos até que se atinja o desejado equilíbrio pela ação da doutrina e da jurisprudência, que deverão estabelecer os devidos conceitos e contornos a se observar no tratamento adequado ao novo instituto.
Outra questão importante a considerar diz respeito ao direito à indenização e sua fixação, que ser rege pelo artigo 944 do Código Civil, devendo a mesma ser proporcional ao dano causado, observando-se a situação tanto do ofensor quanto do ofendido, a fim de que se cumpra igualmente a função pedagógica da condenação, quando for a hipótese.
Pedro Paulo Teixeira Manus é juiz vice-presidente judicial do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, professor titular e livre-docente em direito do trabalho da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e autor dos livros "Direito do Trabalho, Execução de Sentença no Processo do Trabalho" e "Negociação Coletiva e Contrato Individual de Trabalho" pela Editora Atlas