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Revista O Empresário / Número 96 · Abril de 2006



Eles só vão tirar meu controle remoto quando arrancarem das minhas mãos frias e mortas.

Foi este o pensamento em minha mente depois da minha primeira leitura de um pedido de patente para um novo tipo de televisor e gravador de vídeo digital, recentemente registrado por uma unidade da Royal Philips Electronics no Escritório de Patentes e Marcas dos EUA. A idéia parece ameaçar o direito inalienável de mudar de canal durante os comerciais ou pular os anúncios dos programas gravados.

Uma segunda leitura, mais calma, do pedido de patente revelou que a proposta manteria o direito de evitar os comerciais, mas apenas para quem pagasse uma taxa. Os que não quisessem pagar seriam impedidos de trocar de canal durante os comerciais. Se o telespectador tentar burlar o sistema gravando os programas e pulando os anúncios durante a apresentação, o novo gravador detectaria cada segmento de comerciais e desabilitaria o botão para adiantar a fita durante os anúncios.

O conceito parece comercialmente morto ao nascer: qual consumidor compraria uma televisão programada para cobrar taxas? Quando conversei, na semana passada, com o executivo responsável pela propriedade intelectual da Philips, Ruud Peters, para saber como a idéia seria apresentada aos consumidores, ele explicou que o pedido de patente não tinha conexão com nenhum produto sendo produzido pela Philips. Ele disse ainda que o conceito de temporariamente impedir o funcionamento do controle remoto para proteger a propaganda já existe e não se originou em sua empresa.

No entanto, a possibilidade de limitar o uso do controle remoto só pode ser realizada com um novo padrão técnico --MHP (das iniciais em inglês de padrão multimídia caseiro)-- que a indústria de televisão está contemplando para o futuro. Nem as redes transmissoras nem os produtores de televisores, cuja cooperação conjunta seria necessária, ainda adotaram o padrão. Se a indústria de televisão adotasse o MHP, os canais poderiam inserir sinais especiais para imobilizar o controle remoto durante os comerciais. Se isso acontecer, Peters disse que a tecnologia da Philips dará "aos consumidores a liberdade de escolha" --"liberdade" sendo definida como a opção de pagar uma taxa para reconquistar o uso do controle remoto.

A proposta da Philips de pagar para surfar pode ser a primeira do tipo, mas provavelmente veremos outras que não teriam aparecido no passado, quando a televisão baseada em propaganda prosperava. Hoje, o gravador de vídeo digital está lento, mas determinadamente canalizando a indústria. Em 2005, dez milhões de lares tinham DVR, de acordo com a Forrester Research; o número deve pular para 15 milhões neste ano, 30 milhões no próximo e 42 milhões em 2010. A Scientific-Atlanta, que fornece as caixas de recepção para todas as grandes empresas de televisão a cabo, informa que metade de suas caixas hoje são equipadas com DVR.

O que isso significa para a propaganda pode ser inferido a partir dos dados coletados pela TiVo, que tem 4,4 milhões de assinantes. Davina Kent, vice-presidente da empresa, disse que quando seus clientes assistem a programas gravados, pulam 70% dos comerciais.

O dado não escapou aos anunciantes. Josh Bernoff, analista da Forrester, previu que "no ano que vem, veremos um declínio significativo nos gastos dos anunciantes na televisão, como resultado dos gravadores de vídeo digital."

A indústria de televisão não decidiu como reagir. Há quatro anos, Jamie Kellner, então presidente da Turner Broadcasting System, observou em entrevista à revista CableWorld que os telespectadores que usavam DVR para pular os anúncios estavam cometendo "roubo"; um minuto depois ele descreveu a prática como "roubar a programação". Ele abriu uma exceção para visitas ao banheiro.

As observações geraram críticas instantâneas de fora da indústria. No entanto, ele acertou em sua previsão do crescimento do DVR quando disse, na mesma entrevista, que as redes precisavam criar um "novo modelo" para coletar a receita dos consumidores que usavam gravadores para pular os comerciais.

A CBS OnDemand aluga episódios sem anúncios por uma tarifa modesta de US$ 0,99 (em torno de R$ 2), mas que precisam ser assistidos até 24 horas após serem baixados para um computador. A idéia ainda é um experimento. (Os programas abaixados em computador revelam quanto tempo os comerciais ocupam tradicionalmente: sem os comerciais, um programa de 60 minutos pode ter apenas 41 minutos.) Há ofertas abundantes de programas de televisão na iTunes, que custam US$ 1,99 (em torno de R$ 4) mas que não morrem depois de um prazo estabelecido e também são uma idéia em estudo. Um padrão único para a indústria que imobilize o controle remoto e a proposta da Philips de pagar para surfar também fazem parte das possíveis respostas ao dilema da indústria.

Eu não prestei atenção às ofertas on-line de episódios únicos de televisão porque meu DVR funciona tão bem e a função de adiantar o filme no meu controle remoto também. (O botão que programei para fazer um salto de 30 segundos está funcionando belissimamente, apesar de ser pressionado tão enfaticamente quanto uma campainha de hospital conectada a uma bomba de morfina.) Por que eu iria comprar aquilo que meu DVR grava sem esforço sem custo algum? Mesmo que eu sentisse um mínimo de preocupação por pular os anúncios, por estar violando um contrato implícito que Kellner afirmou existir entre a rede e o telespectador da televisão patrocinada pelos anúncios, conforto-me sabendo que esse contrato não existe.

James Boyle, professor de direito da Universidade Duke disse que os anunciantes oferecem um programa sabendo que apenas uma fração do público assiste aos comerciais. Os anunciantes compram nada além de "uma possibilidade" e o telespectador não é obrigado a assistir a todos comerciais, assim como um motorista não é obrigado a ler todos os outdoors.

A questão legal mais complicada dos DVR não é pular os anúncios, mas algo ainda mais básico: o direito de se fazer uma cópia de um programa para uso pessoal. Minha afirmativa sobre um direito inalienável de pular os comerciais seria esvaziada se os criadores do programa que estou assistindo pudessem exercer plenamente sua proteção por autoria e impor um controle sobre as cópias de seu trabalho criativo.

Desde o nascimento do gravador de videocassete para uso doméstico, nos anos 70, copiamos impunemente programas de televisão protegidos por direitos autorais, usufruindo da isenção por "uso justo", garantida para este propósito não comercial. A legalidade desse tipo de cópia doméstica foi estabelecida em uma decisão da Suprema Corte, no caso da Sony Corp. contra a Universal City Studios Inc., em 1984.

A decisão tratou da cópia por um gravador Betamax e continua sendo um precedente importante que protege as cópias atuais feitas com DVR. Mas se analisarmos como a corte chegou à decisão no caso da Sony --por 5 votos a 4-- e como a tecnologia de gravação mudou e novas oportunidades de negócios se abriram desde então, fica difícil entender como a maioria da corte conseguiria manter a mesma posição atualmente.

A justiça mantém a isenção pelo "uso justo" somente quando não prejudica o valor comercial da obra protegida. Na época do processo, com as máquinas antigas, pular anúncios dava tanto trabalho que quase não valia a pena. No julgamento, dados de pesquisa demonstraram que apenas 25% dos anúncios gravados eram pulados. Diante do testemunho de Fred Rogers de "Mister Rogers ' Neighborhood" da PBS, que gostava que copiassem seu programa, os estúdios de cinema que entraram com a ação não conseguiram convencer os juizes de que a cópia de filmes apresentados na televisão prejudicava seus negócios.

Será que evidências indiscutíveis de que o DVR facilitou evitar assistir os anúncios faria uma diferença no caso da Sony fosse hoje? Paul Goldstein, professor na Faculdade de Direito de Stanford, acha que sim. "Se tudo fosse igual, exceto o índice de omissão dos anúncios --esse seria um fato convincente que teria feito uma diferença", disse ele.

Randal C. Picker, professor de direito da Universidade de Chicago, salientou que a disponibilidade comercial de programas de televisão em lojas como iTunes é outra mudança enormemente importante a ser considerada pela justiça se um caso como o da Sony fosse litigado hoje.

Como custear a televisão gratuita é uma questão ampla e não respondida, disse Picker. Falando como telespectador, ele disse: "Quero que outros assistam aos anúncios. Mas não podemos todos não assistir." Notícia exclusiva online
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