Seis meses de estágio. Foi esse o tempo que a gaúcha Priscila Fighera teve de experiência anotada em sua carteira de trabalho. "Foi o suficiente para cansar da vida de empregada", afirma. Aos 24 anos, abriu, junto com três amigos, uma pequena empresa de pesquisas de mercado, a Box 1824. Com modo inovador de realizar seu trabalho - em vez de se basear apenas em questionários, eles adotam a rotina dos pesquisados para observá-los -, a Box conquistou clientes como a operadora de telefonia celular Claro, a fabricante de calçados Melissa, o provedor de acesso à internet iG, a fabricante de celulares Nokia, além de AmBev, Fiat, Pepsi e Banco Itaú. Hoje, três anos depois de abrir a empresa, os sócios estão milionários.
"A verdade é que nós nunca quisemos ter um emprego", diz Rony Rodrigues, de 26 anos, um dos sócios da Box. Foi dele a idéia de montar a empresa. Quando era estagiário de uma agência de publicidade, um cliente o chamou para realizar uma pesquisa. "A vida na agência estava boa, mas vi que tinha talento para fazer algo mais. Conversei com a Priscila e montamos o negócio", afirma. Priscila e Rony fazem parte de uma nova geração de jovens talentosos, que vê com desconfiança aquilo que seus pais e avós consideravam o caminho do sucesso: a carreira nas grandes empresas. Essa mudança de mentalidade não veio do nada. Ela é conseqüência da transformação por que passaram as companhias no mundo inteiro. A partir da década de 80, crises econômicas, avanços tecnológicos e o acirramento da concorrência trazido pela globalização obrigaram as empresas a tornar-se mais enxutas. E o maior corte de custos ocorreu na folha de pagamentos. O emprego numa grande empresa, que era considerado uma conquista para a vida inteira, tornou-se instável. E garotos de classe média passaram a presenciar um drama familiar até então raríssimo: pais demitidos.
"Na década de 1990, o sentimento de fidelidade permanente a uma empresa foi substituído por outro, o de utilidade mútua", diz o consultor Max Gehringer."Mudar de emprego, que era visto como algo vergonhoso (ter três empregos em dez anos era chamado de 'sujar a Carteira Profissional'), passou a ser a nova regra." A estabilidade foi substituída pela busca de oportunidades. Primeiro, dentro das empresas. Mas, num segundo momento, também fora.
Foi o que aconteceu com o paulista Flávio Federzoni Silva. Aos 22 anos, ele decidiu largar o curso de Relações Internacionais da PUC de São Paulo por temer, de antemão, o desemprego que abalou a vida do pai. Flávio Lúcio da Silva, de 49 anos, foi demitido de uma grande seguradora após 13 anos na empresa. "O mundo empresarial se tornou um circo de fusões e aquisições. Num belo dia, a companhia em que eu trabalhava foi comprada e eles decidiram encerrar a operação no Brasil. Fui para a rua", diz Silva.
"Não quero essa vida para mim", afirma Federzoni. Ele convenceu o pai a usar parte do dinheiro da rescisão na abertura de uma franquia do Rei do Mate, uma rede de lanches rápidos, para ele próprio tocar. Seu Flávio se convenceu. Hoje, os dois têm lojas no Shopping Ibirapuera, em São Paulo. "Sou novo, mas já tenho autonomia para tomar decisões e pagar minhas próprias despesas", diz Federzoni. Neste ano, ele voltou para a faculdade. Cursa Administração na Escola Superior de Propaganda e Marketing. "O curso vai servir para complementar minha formação, não para eu arrumar emprego", diz. "Se depender de mim, serei patrão para o resto da vida."
Os números ajudam a explicar a desilusão com as grandes empresas. Nos últimos 13 anos, as grandes corporações, com mais de mil funcionários, perderam 1,8 milhão de postos de trabalho, de acordo com um estudo do Ministério do Trabalho. Já as pequenas empresas contrataram 3,8 milhões de pessoas a mais que demitiram, durante o mesmo período. Esse é um fenômeno mundial. Entre 1995 e 2002, 31 milhões de empregos em fábricas foram eliminados nas 20 maiores economias do mundo, segundo estudo da Alliance Capital Management, um dos maiores fundos de investimentos dos EUA. Esse sumiço de empregos ocorreu num período em que a produtividade fabril subiu 4,3% em média e a produção industrial do planeta aumentou assombrosos 30%. Ou seja, a economia cresce sem criar empregos.