Revista O Empresário / Número 94 · Fevereiro de 2006
Vamos ouvir o que ele propõe?
- Para quê? Isso não vai dar em nada!
Você provavelmente já deve ter ouvido um diálogo parecido em na empresa em que
trabalha. E o tipo que deu a resposta deve ser conhecido como “o pessimista da equipe”, não?
Pois é, existem diversos tipos dentro do ambiente organizacional e, importante lembrar, não existe o tipo puro. No caso descrito acima, contudo, as pessoas que compõem o ambiente de trabalho, já reconhecem sua atitude e tendem a minimizar seu papel negativo. “O grupo já faz a leitura daquilo: não vai na desse cara que ele sempre reclama”, explica Márcia Harsche, dona da empresa de consultoria Valor Pessoal, cujo principal foco é a melhoria no ambiente de trabalho.
É importante lembrar, contudo, que mesmo características que parecem ruins num primeiro momento, podem parecer construtivas com alguma convivência e jogo de cintura. “Existe o stress positivo, a reclamação construtiva. É legal ter alguém puxador, vibrante ou alguém com uma criticidade controlada. O que não pode é virar um chato”, pondera Márcia.
Os arquétipos que compõem o ambiente de trabalho estão em diversos outros espaços da vida, inclusive no ambiente familiar. O ideal é apenas tomar cuidado para controlá-los para não ficarem muito sobrecarregados. Desde que haja diferentes tipos na equipe, a possibilidade de se buscar o equilíbrio é bem maior. “É importante ter a diversidade”, avalia a consultora, que já trabalhou em empresas em que os funcionários chegavam a achar bom ter um colega prolixo, pois ele era o elemento capaz de avaliar todas as questões em seus mínimos detalhes.
Antes de taxar alguém segundo suas expectativas em relação a ela, é preciso também avaliar, sua biografia pessoal. “Se eu tive uma educação rígida, minha tendência é ser menos comunicativo, mais rígido”, afirma.
E é possível mudar um comportamento indesejado? Márcia considera novamente o papel fundamental da liderança nesse momento. “Quando eu era gerente, vieram me contar uma fofoca do grupo e eu disse que não me interessava ouvir. A postura do líder é não alimentar esse tipo de situação”.
A consultora afirma que pesquisas norte-americanas garantem que as lideranças detêm 80% da responsabilidade sobre clima organizacional. Márcia completa que, segundo sua própria experiência, esse número pode ser arredondado para até 90%. “Às vezes você pode estar em um ambiente feio, com a mesa inadequada, com equipamentos ruins, mas se seu chefe é próximo, os problemas são minimizados”, garante. “Nesses cinco anos que eu escuto as pessoas, nunca a causa maior de descontentamento com o trabalho foi referente ao salário. Era porque a chefia não ouvia, não estava preocupada com o desenvolvimento do empregado ou os funcionários não tinham suficientes feedbacks”, considera.
Segundo a consultora, que já foi gerente de RH, a situação se agrava ainda mais pelo fato de atualmente todos os empregados, de uma maneira geral, estudarem mais, fazerem especialização e MBA. “Hoje em dia é muito mais problema ter um chefe que não lhe dá retorno, não fala, do que antigamente. As pessoas hoje têm uma visão maior, têm corrido atrás do autodesenvolvimento, de ser o dono de suas próprias carreiras”, conclui.
A experiência de Márcia em projetos ligados ao clima organizacional passa por empresas como Alpargatas, Reckitt Benkiser (líder mundial de produtos de limpeza doméstica, fabricante do Veja), Metal Leve e, atualmente, Kaiser, num projeto de adaptação de clima ligado à sua compra pela mexicana Femsa. “Já ouvi, mais de 5 mil pessoas em grupos focais”, contabiliza.
Márcia começa sempre ouvindo a liderança, sem a presença de nenhum subordinado. Depois, Harsche busca saber a opinião dos subordinados. “Quando você dá a oportunidade de falarem, sem a presença dos superiores, com liberdade para se colocarem, vêm revelações inesperadas”, afirma. “É impressionante como as pessoas começam a repetir o modelo de gestão do chefe. Quando você tem um chefe mais light, as pessoas tendem a ficar mais tranqüilas”.
E o contrário é que pode ser verdade. Nessa situação, o que fazer? Primeiro, dar ouvido às pessoas. “Hoje, o que motiva as pessoas é ter autonomia, uma relação de confiança entre chefe e subordinado”, pondera. Nesse caso, com uma liderança que possua o foco nas pessoas, é possível pensar que o desequilíbrio do quadro de pessoal será revertido.
Segundo e igualmente importante, manter o trabalho contínuo. “Trabalho com liderança e não acreditamos em intervenção pontual”, explica. Esse tipo de trabalho tem de ser desenvolvido por, no mínimo, seis meses para surtir os efeitos desejados. E, por isso mesmo, seu dia-a-dia é uma correria de hotel em hotel para desenvolver tais projetos. Na Metal Leve, Márcia voltou depois de quatro meses para ver se o plano implementado teve efetividade. E, independente do resultado que encontrou, uma coisa é certa: o trabalho do chefe foi fundamental para o resultado encontrado. Trabalho esse que, com certeza, vai durar bem além dos quatro meses. (Isto É Dinheiro)