Revista O Empresário / Número 105 · Fevereiro de 2007
Atrasada, populista e recheada de modismos, a legislação penal brasileira produz paradoxos absurdos que reduzem sua legitimidade e alimentam a impunidade no país.
Dois pesos
Preso em flagrante, um motorista bêbado que atropela e mata um pedestre negro pode solicitar a fixação de fiança e responder ao processo de homícidio em liberdade. Se, em vez de atropelar o pedestre, este mesmo motorista abrir a janela de seu carro, fizer ofensas raciais a ele e for preso em flagrante por racismo, não terá direito a fiança.
Prisão pra quê?
Se uma pessoa comete um assassinato e não é presa em flagrante, ela pode apresentar-se à polícia horas depois, confessar o crime e, ainda assim, voltar para casa, livre e solta principalmente se tiver bons antecedentes e for ré primária. Por outro lado, uma pessoa que furtou um sabonete num supermercado e foi presa em flagrante pode ficar na cadeia aguardando o julgamenteo por meses e até anos, mesmo tendo bons antecedentes e sendo ré primária
Paga um, leva dez
No Brasil, uma pessoa não pode ficar mais de trinta anos presa. Isto significa que, se cometer um crime grave como homicídio qualificado ou estupro seguido de morte, cumprirá a mesma pena que receberia caso tivesse praticado o mesmo crime quatro, cinco ou dez vezes.
A culpa é da vítima
Uma pessoa que use uma arma ilegal para defender-se de um roubo e prender o ladrão pode amargar prisão de dois anos, em regime fechado.
É o que determina o rigoroso Estatuto do Desarmamento para portadores de armas ilegais. Já o criminoso que não conseguiu concretizar o crime, recebe pena inferior a dois anos, a ser cumprida em regime semi-aberto ou em liberdade.
Violar pode
No Brasil, os cidadãos são proibidos de retirar dinheiro do país sem informar à Receita Federal, mesmo se estes recursos forem fruto do trabalho honesto de anos. A pena para este delito é de dois a seis anos de reclusão. Muito mais suave é a punição aplicável ao funcionário da mesma Receita Federal que violar o sigilo fiscal do contribuinte. Este servidor público bandido pode escapar pagando apenas uma multa.
Estímulo à enrolação
Quanto mais tempo o acusado ganha até o julgamento final do processo, mais próximo fica de ter o seu crime extinto (a chamada prescrição). Para ajudarem a atrasar o processo, advogados dos réus ingressam com uma série de recursos que protelam o julgamento. Como para cada réu são ouvidas até oito testemunhas de defesa, não é difícil encontrar advogados que arrolam testemunhas até no exterior, só para ganhar tempo.
Lavar e fraudar
Quem transforma dinheiro de atividade em ativos de origem lícita incorre em crime de lavagem de dinheiro, punível com até dez anos de reclusão. Pela gravidade do crime, a pena para o funcionário público que frauda uma licitação deveria ser igualmente severa, mas é de seis meses a dois anos de detenção, com punição que pode ser convertida em multa.