Um dos problemas cruciais da comunicação, tanto a de massa como a interpessoal, é este: como o outro ouve o que lhe é dito. Aqui registro uma constatação para o rol de estudos e debates a respeito: raras, raríssimas são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está dizendo; ou, então, raras são as pessoas que, ao menos, procuram ouvir.
Em geral não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que ele não está dizendo.
Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que se quer ouvir.
Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que já se escutara antes e o que se está acostumado a ouvir.
Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que se imagina que o outro ia falar.
Numa discussão, em geral, não se ouve o que o outro fala. Ouve-se quase que só o que se pensa para ser dito em
seguida.
Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que se gostaria que o outro dissesse.
Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se apenas o que se está sentindo.
Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que já se pensava a respeito daquilo que o outro está falando.
Não se ouve o que o outro está falando. Retira-se da fala dele apenas as partes que tenham a ver com o ouvinte.
Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se o que confirme ou rejeite o próprio pensamento do ouvinte. Ou seja,
transforma-se o que o outro está falando em objeto de concordância ou discordância.
Não se ouve o que o outro está falando. Ouve-se o que se possa adaptar ao impulso de amor, raiva ou ódio por quem
está a falar.
Não se ouve o que o outro fala. Ouve-se da fala dele apenas os pontos que possam fazer sentido para as idéias e
pontos de vista que, no momento, nos estejam influenciando ou tocando mais diretamente.
Ouviu?
(Artur da Távola)