Doenças devem ser detectadas o quanto antes, para que haja sucesso no tratamento, certo? Não, segundo o médico americano H. Gilbert Welch. O especialista em clínica médica é autor de “Overdiagnosed”, recém-lançando nos Estados Unidos. No livro, Welch, pesquisador da Universidade Dartmouth, afirma que a epidemia de exames preventivos ou “screening”, como são chamados nos EUA, coloca a população em perigo mais do que salva vidas. Citando pesquisas, ele mostra evidências que muita gente está recebendo “sobrediagnóstico”: são tratadas por doenças que nunca chegariam a incomodá-las, mas que são detectadas nos testes preventivos. “O jeito mais rápido de ter câncer? Fazendo exame para detectar câncer”, disse ele.
Como exames preventivos podem fazer mal?
H.Gilbert Welch – A prevenção tem dois lados. Um é a promoção da saúde, é o que sua avó dizia: “vá brincar lá fora, coma frutas, não fume”. Mas a prevenção entrou no modelo médico, virou procurar coisas erradas em gente saudável, virou detecção precoce de doenças. Isso faz mal. Não estou dizendo que as pessoas nunca devem ir ao médico quando estão bem, mas a detecção precoce também pode causar danos.
De que maneira isso ocorre?
Quando procuramos muito algo de errado, vamos acabar achando, porque quase todos temos algo errado. Os médicos não sabem quais anormalidades vão ter consequências sérias, então tratam todas. E todo tratamento tem efeitos colaterais. Há um conjunto de males que podem decorrer de um diagnóstico: ansiedade por ouvir que há algo de errado, chateação de ter que ir de novo ao médico, fazer mais exames, lidar com convênio, efeitos colaterais de remédios, complicações cirúrgicas e até a morte. Para quem está doente, esses problemas não são nada, perto dos benefícios do tratamento. Mas é muito difícil para um médico fazer uma pessoa sadia se sentir melhor. No entanto, não é difícil fazê-la se sentir pior.
Os médicos dizem que a detecção precoce é essencial no caso do câncer, mas você diz que é perigoso. Não se deve tratar qualquer tumor inicial?
Não. Se formos tratar todos os cânceres quando estão começando, vamos tratar todo o mundo. Todos nós, conforme envelhecemos, abrigamos formas iniciais de câncer. Se investigarmos exaustivamente, vamos achar câncer de tireoide, mama e próstata em quase todos. A resposta não pode ser tratar todos e nem tratar todo mundo. Ninguém mais ia ter tireoide, mamas ou próstata. Câncer de próstata é o símbolo dessa questão.
Por quê?
Há 20 anos, um teste de sangue foi introduzido para detectar câncer de próstata. Vinte anos depois, 1 milhão de americanos foram tratados por causa de um tumor que nunca chegaria a incomodá-los. Esse teste é o PSA [antígeno prostático específico]. Muitos homens têm números anormais de PSA. Eles fazem biópsias e muitos têm cânceres microscópicos e fazem tratamento, o que não é mero detalhe. Pode ser retirada da próstata ou radioterapia. Isso leva, em um terço dos homens, a problemas sexuais. Alguns até morrem na operação. Não podemos continuar supondo que buscar a saúde é procurar doenças.
Qual é o impacto desses testes de próstata na população?
Um estudo europeu mostrou que é necessário fazer exames preventivos de PSA em mil homens entre os 50 e 70 anos, por dez anos, para evitar a morte por câncer de uma pessoa. É bom ajudar uma pessoa, mas precisamos prestar atenção às outras 999. Por causa desses exames, de 30 a 100 homens são tratados sem necessidade. As pessoas precisam refletir. Cada mulher pode decidir se quer fazer mamografia todos os anos. Mas temo que estejamos coagindo, assustando e incutindo culpa nelas, para que façam, mamografias.
A detecção precoce não é o fator que mais reduz a mortalidade de câncer de mama?
Na verdade, não. Os esforços mais relevantes no câncer de mama vêm de tratamentos melhores, como quimioterapia e hormônios. Os avanços no tratamento nos últimos 20 anos reduziram a mortalidade em 50%. O problema é se adiantar aos sintomas. Não há dúvida de que uma mulher que percebe um caroço deva fazer uma mamografia. Isso não é teste preventivo, é exame diagnóstico. Claro que os médicos preferem ver uma mulher com um pequeno nódulo no seio do que esperar até que ela desenvolva uma grande massa. A questão não é entre atendimento cedo ou tarde, mas entre buscar atendimento logo que você fica doente e procurar doenças em quem não tem nada