‘Não posso parar’, diz, aos 80 anos, Niuza da Silva, entre um aparelho e outro na Academia da Terceira Idade da Praça do Lido, em Copacabana, na Zona Sul do Rio. E nem é pelo dia bonito de inverno, porque, mesmo quando chuvisca, a dona de casa conta que acorda cedo e encara uma série de exercícios.
— Não tem como falar que, quando está aquele tempo mais friozinho, com as nuvens carregadas, não bate uma preguiça — assume Niuza, em um tom resiliente, um contraste com sua linguagem corporal ativa. — Mas é um pensamento que dura segundos. E é assim que tem que ser.
O recado, válido em todas as estações e para todas as idades, deve ser recebido com especial atenção durante o inverno, quando eventuais problemas cardíacos preocupam mais do que em outras épocas do ano, alertam cardiologistas.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a mortalidade por infarto agudo do miocárdio é 30% maior nos meses mais frios, chegando a crescer 44% entre as pessoas com mais de 75 anos.
Outro estudo, realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), concluiu, após analisar 200 mil internações pela doença, que há um aumento de 20% no número de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva — quando o coração não consegue bombear sangue suficiente para o resto do corpo.
— Nas últimas décadas tem sido analisado o aumento da taxa de eventos cardiovasculares durante o inverno, mas as causas ainda não são claramente definidas — pondera Alexandre Scotti, cardiologista do Hospital Badim e especialista pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
POLUIÇÃO E TEMPERATURA SÃO FUNDAMENTAIS
Na revista “North American Journal of Medical Science”, um levantamento dos artigos na literatura médica sobre sazonalidade das doenças cardíacas também mostra que a variabilidade dos problemas “é claramente demonstrada pelos dados epidemiológicos”, o que se traduz em um pico nos meses de inverno.
A maioria destas teorias salienta fatores ambientais, como temperatura e poluição do ar, como fundamentais na ocorrência de doenças cardiovasculares em ambos os sexos, particularmente em pacientes com idade avançada.
Segundo César Jardim, cardiologista do Hospital do Coração (HCor), em São Paulo, um dos principais motivos para o aumento do risco é a vasoconstrição, “que reduz o fluxo sanguíneo e provoca um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio no organismo”. Além disso, o médico aponta que a preguiça mencionada por Niuza — que, aliás, nunca teve problemas cardíacos — faz com que muitos deixem de praticar exercícios e passem a comer alimentos mais calóricos, justamente pela sensação de bem-estar e aquecimento corporal que eles proporcionam.
— O exercício físico também aquece o corpo e melhora a disposição. Além disso, há muitos alimentos que proporcionam esse bem-estar, sem excesso de calorias — destaca Jardim.
Pesquisadores ressaltam ainda que, com a queda de temperatura, hormônios que atuam sobre o sistema circulatório podem apresentar aumento de atividade pela simples exposição do corpo ao frio intenso. Com isso, as artérias se contraem, levando ao aumento da pressão arterial e da frequência e intensidade das contrações cardíacas, sobrecarregando ainda mais o coração e o aparelho circulatório.
As baixas temperaturas são um fator importante, não o único. Por causa da poluição atmosférica, as infecções respiratórias aumentam nos meses frios, podendo precipitar ou agravar problemas no coração.
CHECK-UP E CUIDADOS COM A ALIMENTAÇÃO
Com o objetivo de evitar a trombose venosa profunda, o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular encefálico isquêmico, cardiologistas sugerem que seja realizado um check-up cardiológico anualmente e que os exercícios físicos com orientação de um profissional nunca sejam deixados de lado. Nada disso será útil, no entanto, se não houver cuidado com a alimentação: deve-ser priorizar um cardápio saudável, evitando gorduras e sal em excesso.
— A maior defesa é a informação. É interessante a população combater os conhecidos fatores de risco cardiovascular, como tabagismo, sedentarismo e ingestão de alimentos calóricos, além de manter os bons níveis de pressão arterial e de açúcar no sangue — conclui Scotti.