Ela é gaúcha, da terra do churrasco. Seu 1,73 metro de altura sugere um crescimento amparado por uma sólida base de proteínas. Mas a atriz Fernanda Lima, de 27 anos, diz que não mastiga um bife há mais de dois anos. "Fico mais leve para praticar ioga, e minha digestão é melhor", afirma Fernanda, sócia do restaurante vegetariano Maní. "Não acho errado o homem se alimentar de carne. Não quero catequizar ninguém. Mas me preocupo com minha saúde."
Quando Fernanda sai para jantar fora, pede sempre risoto ou salada. Há 20 anos, quem fizesse isso estaria condenado a ser a piada oficial da mesa ("Quantos vegetarianos são necessários para trocar uma lâmpada? Dois: um para rosqueá-la, outro para ver se ela não tem nenhum ingrediente de origem animal"). Hoje, porém, é comum que os amigos se ofereçam para dividir o prato. No Brasil, 28% das pessoas "têm procurado comer menos carne", segundo uma pesquisa sobre hábitos alimentares feita pelo grupo Ipsos. É o segundo maior índice mundial, próximo ao canadense e maior que o britânico. Fica atrás apenas do registrado nos Estados Unidos, onde os hambúrgueres são uma das maiores fontes de doenças cardiovasculares e sentimento de culpa.
No mundo todo, a quantidade de vegetarianos famosos só faz crescer. Entre os estrangeiros, estão estrelas do cinema como Natalie Portman e Brad Pitt, músicos como Paul McCartney, Bob Dylan, Michael Jackson ou Moby e empresários como Steve Jobs. Por aqui, além de Fernanda Lima, a onda vegetariana já arrebanhou a animadora Xuxa, o modelo Paulo Zulu e o ex-piloto de Fórmula 1 Pedro Paulo Diniz (leia o quadro sobre os vegetarianos famosos). Com defensores como esses, o vegetarianismo virou definitivamente um elemento da cultura pop - sim, comida também é cultura.
Para um em cada quatro adolescentes americanos, ser vegetariano é uma atitude "positiva". Por lá, 2,5% da população se considera vegetariana. Não há pesquisas confiáveis no Brasil. Mas o crescimento também é visível. O site da Sociedade Vegetariana Brasileira tem 3 mil acessos por dia. O Congresso Vegetariano Brasileiro e Latino-Americano, marcado para agosto, aguarda 10 mil participantes.
No Orkut, site de relacionamentos mais freqüentado no Brasil, fazem sucesso comunidades como Eu Queria Ser Vegetariano (1.800 membros) ou Sou quase Vegetariano (406). A palavra de ordem nelas é comer menos carne ou, se possível, não comer carne alguma. Elas tratam os carnívoros como fumantes tentando abandonar o cigarro. Em São Paulo, as baladas dos straight edge - freqüentadas por punks contra drogas, álcool e violência - são conhecidas como Verduradas. Nessas baladas, as guitarras gemem enquanto os convidados consomem chicória, couve-flor e suco de clorofila.
A cultura contemporânea está repleta de referências vegetarianas. Até as animações infantis estão cheias de vegetarianos. Em Madagascar, um leão supera seus instintos para não almoçar seu amigo - uma zebra. O Espanta-Tubarões e Procurando Nemo mostram tubarões vegetarianos. Lisa Simpson, a irmã inteligente de Bart Simpson, do desenho animado Os Simpsons, se recusa a comer animais mortos. Phoebe, a loira do seriado Friends, também. Nos Estados Unidos, crianças e adolescentes aderem ao ä vegetarianismo em ritmo duas vezes mais rápido que os adultos. "Quem mais nos procura são os jovens", diz Marly Winckler, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira.
""A nova geração possui um sentimento difuso de que comer carne é ruim e de que ser vegetariano é, de alguma forma, ser superior", afirma a antropóloga Gisela Black Taschner, especialista em tendências de consumo da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. O mercado já percebeu isso. A venda de produtos saudáveis cresce 15% ao ano. É o suficiente para atrair até indústrias de derivados de carne, como a Sadia e a Perdigão. "Vegetarianos radicais são um grupo muito pequeno. Mas há um crescimento acentuado do que chamo hábito vegetariano: evitar o excesso de carne, principalmente vermelha", afirma Fernanda Oruê, gerente de marketing da Sadia. Para esse público, os grandes frigoríficos fazem hambúrgueres, quibes, lasanhas e nuggets de soja. Empresas menores produzem leite condensado de soja, creme de leite de soja - útil para estrogonofes à base de carne de soja -, ovos de Páscoa com leite de soja e até mortadela de soja. No rótulo de todos os produtos vêm estampados slogans como "escolha saudável".
Guru das modas gastronômicas, o crítico Jeffrey Steingarten, da revista Vogue americana, proclamou que a mais saborosa e eficiente dieta para emagrecer é o cardápio vegetariano do norte da Índia. O francês Alain Passard, chef com cotação máxima no guia francês Michelin, montou um restaurante quase vegetariano - em que peixes e aves só aparecem se o freguês pedir muito. Redutos do carnivorismo, como o restaurante dos Chicago Bears, criaram cardápios vegetarianos. E Charlie Trotter, o mais conceituado chef americano, chegou a criar um cardápio de comida vegetariana crua, para adeptos da corrente que veta o aquecimento de alimentos acima de 42 graus. A dieta de Atkins, que fez sucesso na virada do século pregando o alto consumo de proteínas e gorduras, perdeu 80% de seus adeptos.
Durante séculos vista como o item mais saudável, suculento e valorizado da dieta, a carne parece ter passado do ponto. Por dois motivos. O primeiro - justificativa mais usada por quem se torna vegetariano - é a preocupação com a saúde. Os defensores do vegetarianismo afirmam que não comer carne reduz a mortalidade e a incidência de centenas de doenças (leia o quadro à página 91). O segundo é a preocupação ética cada vez mais freqüente com a matança de animais. Cada uma dessas duas justificativas merece uma análise detida. Comecemos com a primeira: a saúde.
O estatístico Paul Appleby, da Universidade de Oxford, analisou todos os trabalhos disponíveis que comparavam a mortalidade de vegetarianos à dos onívoros. Verificou que os dois maiores estudos já feitos não mostraram diferença significativa entre os dois grupos. Um terceiro estudo, feito com os adventistas americanos, vegetarianos em sua maioria, produziu uma conclusão mais animadora. Vegetariano, Appleby sugeriu que a pequena vantagem vegetariana também poderia ser atribuída a fatores não-dietéticos, como não fumar, praticar mais atividade física ou pertencer a classes sociais mais elevadas. Mesmo assim, de acordo com ele, descontados os fatores externos, a dieta vegetariana "parece conferir um ganho de um e meio a dois anos de vida".