Havia um bando de patos selvagens que voava nas alturas. Lá em cima era o vento, o frio, os horizontes sem fim, as madrugadas e os poentes coloridos. Tão lindo! Mas era uma beleza que doía. O cansaço das asas, o não ter casa fixa, o estar sempre voando, as espingardas dos caçadores... Foi assim que um pato selvagem, olhando lá das alturas para essa terra de anões aqui embaixo, viu um bando de patos domésticos. Estavam tranquilamente deitados à sombra de uma árvore, poupados do esforço de voar. E havia comida em abundância.
O pato selvagem invejou os domésticos e resolveu juntar-se a eles. Disse adeus aos seus companheiros, desceu e passou a viver a vida que pedira a Deus.
E, assim, viveu por muitos anos, até que de novo chegou o tempo da migração dos patos. Eles apareciam, lá no fundo do azul do céu, formações em “V”, grasnando, um grupo depois do outro. Aquela visão dos patos em vôo, a memória das alturas, aqueles grasnados de outros tempos começaram a mexer com algum lugar esquecido dentro do pato domesticado.
Uma saudade, uma nostalgia de belezas, o fascínio do perigo e o vazio que se abria... até que não foi mais possível aguentar. Resolveu voltar a ser pato selvagem. Abriu as asas e bateu-se para voar, como outrora, mas não voou. Caiu, esborrachou-se no chão. Estava gordo demais. E assim, passou o resto de sua vida: em segurança, protegido pelas cercas e triste por não poder voar.
A inércia profissional, traduzida pela acomodação em um determinado cargo, incapacita o indivíduo, privando-o de experimentar e de vivenciar o novo. Essa cristalização atinge os que permaneceram discursando sobre os seus êxitos profissionais de um passado obsoleto e improdutivo.