Um antigo preceito calvinista de que “o trabalho é uma forma de adoração e o ócio é pecado” continua servindo de base para estruturar carreiras e os projetos de vida de muitos profissionais – tanto homens quanto mulheres – dentro do universo e cenário das corporações.
A ideia de que o desfrute deve ser encarado como uma recompensa, ou prêmio, por esforços, sacrifícios, resultados e grandes conquistas, persiste no estímulo para que muitos executivos, empreendedores e empresários busquem e até consigam, o saudável equilíbrio entre trabalhar e desfrutar.
Essa constatação, que já havia registrado em meu livro “Trabalhar e desfrutar – equilíbrio entre vida pessoal e profissional”, cuja primeira edição foi publicada em 1991, não apenas se manteve como até se intensificou.
E entre algumas das causas para que este sentimento e orientação ampliassem, podemos destacar as preocupações decorrentes com o aumento dos índices de longevidade, além do avanço da parafernália tecnológica que – por seu correspondente mau uso –, ampliou o envolvimento com o mundo do trabalho, na medida exata em que este ia também invadindo a vida privada das pessoas. Ambas as causas foram, adicionalmente, acompanhadas por um rápido e intenso processo de globalização dos mercados, além de um aumento no clima de competitividade, interno e externo, no mundo corporativo.
Para tornar todo este quadro muito mais complexo vale registrar que o próprio conceito de desfrute se tornou muito vinculado à capacidade de consumir. Dessa forma a busca pelo possuir, ter, adquirir ou ostentar, se tornaram, aos poucos, em novos parâmetros pelo que anteriormente era entendido como a forma de sentir o prazer ou conseguir o desfrute.
Devidamente manipulado pelo mundo da publicidade estes estímulos de busca das conquistas materiais introduziu-se, inclusive, na forma como as famílias educam e estimulam seus filhos. Para tanto muitos pais criam para seus filhos uma agenda estressante de múltiplas atividades, que procura adestrar, desde muito cedo, as crianças para um universo cada vez mais competitivo e abrangente.
Essa pressão sobre as novas gerações ainda é significativamente ampliada pelos recursos disponíveis tendo em vista que o número de filhos também diminuiu, de forma muito drástica, nas famílias modernas. Ou seja, existem mais recursos para os filhos da geração 4-2-1. Quatro avós, dois pais e um filho. Além de vários tios, educadores, terapeutas, tutores, etc.
O desfrute do pequeno, simples e pouco complexo começa a perder espaço para tudo que seja grandioso, moderno e futurista. Admirar a natureza ou realizar algum passeio de mãos dadas em meio a um parque com árvores e pássaros – acrescido com um pôr do sol ao fundo – compete hoje com uma tecnologia que muito rapidamente se torna obsoleta, e de forma programada, além de manipulativa. Ou seja, o mundo do espetáculo substituindo sensações autênticas.
Toda essa pressão por conquistas de status, poder ou poder aquisitivo termina gerando depressão ou estresse, com suas inevitáveis consequências.
Segundo um especialista no tema, Sean Nicholson, os profissionais mais suscetíveis ao estresse “são aqueles com idade entre 35 e 49 anos. Pessoas na faixa dos trinta e poucos anos normalmente têm filhos. Quando você inclui a paternidade à já existente carga de trabalho, isso cria ainda mais estresse. E as consequências são depressão, ansiedade, pressão alta, dependência do álcool, desordem musculoesquelética e exaustão”.
Enfim, a proposta deste artigo é alertar para o equívoco de adiar o desfrute para um momento futuro. O despreparo para a aposentadoria tem demonstrado o quanto se torna fundamental desenvolver formas de equilibrar trabalho e desfrute desde muito cedo na vida. E este é mais um dos processos educativos em que cada um deve assumir suas responsabilidades. Até porque ele deverá variar de acordo com o próprio conceito de desfrute que cada um almeje ou imagina.