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Revista O Empresário / Número 121 · Julho de 2008



por João Baptista Herkenhoff

No dia nove de agosto de 1978 compareceu a minha presença, no Fórum de Vila Velha (ES), Edna S., grávida de oito meses, que estava presa na Cadeia da Praia do Canto, em Vitória, enquadrada no artigo 12 da Lei de Tóxicos (tráfico).

Diante do quadro dramático — uma pobre mulher grávida, encarcerada —, proferi, em audiência, despacho que a libertou. Anteriormente, Edna vira-se envolvida noutro processo, enquadrada em crime de lesões corporais leves porque, utilizando-se de um pedaço de vidro, ferira Neuza Maria Alves.

O motivo da agressão de Edna a Neuza foi ter Neuza abandonado a Escola de Samba “Independente de São Torquato” para desfilar na Escola de Samba “Novo Império”. Neuza era figura importante do desfile, como porta-bandeira da Escola, na qual também Edna desfilava, como passista.

Depondo em audiência, um ano após ter Edna sido solta para dar à luz, disse Neuza, a vítima das agressões que, se dependesse dela, “pediria que a Justiça fosse mais calma com a acusada, pois o fato ocorreu por provocação de outra pessoa, a acusada tem uma filha pequena e, além disso, está se regenerando”.

Diante dos fatos proferi sentença absolutória, por entender que “a Justiça Criminal, dentro de uma visão formalista, localiza-se no passado, julga o que foi. A Justiça Criminal, numa visão humanista, coloca-se no presente e contempla o futuro.”

O despacho que libertou Edna, no processo de tóxicos, e a sentença absolutória, no processo de lesões corporais, são transcritos, na íntegra, a seguir.

A) Despacho libertando Edna, a que ia ser Mãe.

“A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens, mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si, mulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia.

É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver.

Quando tanta gente foge da maternidade; quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas; quando se deve afirmar ao Mundo que os seres têm direito à vida, que é preciso distribuir melhor os bens da Terra e não reduzir os comensais; quando, por motivo de conforto ou até mesmo por motivos fúteis, mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, com o feto que traz dentro de si.

Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.

Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão."

Foi ao vê-la grávida, incomodada com o peso do feto, pois recusou sentar-se dizendo que ficava mais à vontade de pé, que eu pude compreender a dimensão do sofrimento de Edna. Foi diante de Edna mulher, Edna ser humano, que pude perceber o que significava para ela estar presa.

B) Sentença absolvendo Edna.

A Justiça Criminal, dentro de uma visão formalista, localiza-se no passado, julga o que foi. A Justiça Criminal, numa visão humanista, coloca-se no presente e contempla o futuro. A Justiça Criminal não é uma máquina calculadora que só fecha suas contas quando o saldo é zero. A Justiça Criminal é sobretudo um ofício de consciência, onde importa mais o valor da pessoa humana, a recuperação de uma vida, do que a rigidez da lógica formal.

A prova testemunhal convence que Edna é hoje uma pessoa inteiramente recuperada para o convívio social. Como ficou demonstrado, sua vida está inteiramente dedicada a sua casa. Compareceu hoje perante este Juízo com uma filha nos braços. Insondáveis caminhos da vida... Da última vez que veio a esta sala de audiências, a criança, que hoje traz nos braços, ela a trazia no ventre. Por despacho deste juiz, foi naquela ocasião posta em liberdade.

Creio que a sentença justa, no dia de hoje, é a sentença que absolve a acusada. Não se trata da sentença sentimental, da sentença benevolente, como se julga tantas vezes, erradamente, sejam as sentenças deste juiz. É a sentença que crê no ser humano, é a sentença convicta de que muitas vezes pessoas marginalizadas pelas estruturas sociais encontram, no contato com o julgador, o primeiro relacionamento em nível de pessoa. Absolvo a acusada, em voz alta, sentença ouvida, palavra por palavra, pela acusada, para que sinta ela que desejo tenha uma vida nova. Liberto-a deste processo e espero que nunca mais fira quem quer que seja.

Considerando tudo que foi ponderado, atendendo ao gesto de perdão da vítima Neuza Maria Alves, atento à criança que Edna traz no colo, sua filha Elke, desejando que esta sentença seja um voto de confiança que Edna saiba compreender — absolvo a acusada da imputação que lhe foi feita.

Não fui eu que libertei Edna, foi Edna que me libertou

De todas as decisões que proferi, nenhuma se tornou tão conhecida quanto a decisão através da qual libertei Edna, a que ia ser Mãe. A decisão em torno de Edna, acrescida de inúmeros comentários, está largamente presente na internet, numa centena de localizações.

Apresentações artísticas do texto, com acréscimo de som e imagens, foram feitas como, por exemplo, o trabalho realizado por Odair José Gallo, um outro trabalho produzido por Mari Caruso Cunha e uma versão sonora, sem imagens, realizada pelo advogado Doutor Adriano Cardoso Cunha, de Cabo Frio (RJ).

No Instituto de Letras, da Universidade de Brasília, a acadêmica Elaine Cristina Oliveira Sousa produziu um primoroso texto acadêmico, olhando a decisão que libertou Edna, não sob o aspecto jurídico, mas sob o ângulo lingüístico. O trabalho de Elaine Cristina foi realizado dentro da disciplina “Introdução à Análise do Discurso”, com a professora Francisca Cordélia, do Departamento de Línguas Clássica e Vernácula, do Instituto de Letras, da UnB.

Propôs-se Elaine Cristina Oliveira Souza a fazer uma leitura da ideologia presente no texto. Na percepção da brilhante estudiosa, o mais importante, no caso, não é apenas o discurso ideológico, mas principalmente a prática discursiva e sua relação com a prática social. Elaine Cristina desdobrou a decisão em diversos fragmentos, fazendo profunda análise de cada um.

Dramatizações foram produzidas, debates foram promovidos, em diversas faculdades e noutros espaços, chegando ao meu conhecimento apenas uma fração dessas iniciativas.

A sentença inspirou a alma de poetas.

Stellinha Mattos, poetisa de grande sensibilidade, falecida no Rio de Janeiro, em 2006, depois de ter completado 100 anos, escreveu:

“Bendita seja

mulher, fonte de vida,

por um grande juiz

compreendida

e por seu coração absolvida!

Que se afastem as pedras do caminho,

que se afastem todos os espinhos,

na estrada

por onde ela passar.”

João Udine Vasconcelos, advogado e poeta, residente em Fortaleza, produziu este soneto, a que deu o título de “O bom juiz”:

“Só das almas autênticas, serenas,

Flui a verdadeira e pura luz:

Clarão de paz das razões amenas

Emanadas do doce Cristo Jesus!

E dessas almas sinceras, leais,

Como é bela e digna a de um Juiz

Que julga homens não como animais

Mas com alma e paixão em despacho feliz.

No uso da Hermenêutica, o coração

Pulsa forte e amoroso, derramando

Em sangue a Justiça em reta emoção.

No Alvará em que o fogo do amor arde

À mulher grávida, em crime banal,

Colocando-a com o feto em liberdade.”

Sobre o despacho de Edna recebi centenas de cartas e mensagens eletrônicas, todas guardadas no meu arquivo.

Por muitos caminhos (caminhos misteriosos, a meu ver), o despacho de Edna tem chegado a milhares de pessoas, sem que eu tenha meios de aquilatar a dimensão dessa divulgação. Dei a decisão no meio de um expediente forense trepidante, com muitas audiências designadas na agenda.

O caso de Edna entrou em pauta mais ou menos às três horas da tarde. O despacho foi proferido verbalmente. Eu fui ditando e a diligente Escrivã Valdete Teixeira foi datilografando. Quando concluí a decisão, Edna, que tudo acompanhou palavra por palavra, indagou:

– “Doutor João, estou livre?”

Respondi:

– “Está.”

– “Doutor João, se meu filho for homem ele vai se chamar João Batista.”

Redargui:

– “A senhora sabe como João Batista morreu?”

– “Não sei não”, Edna respondeu.

– “Cortaram a cabeça dele”, expliquei.

– “Não tem importância. Ele vai se chamar João Batista mesmo.”

Mas nasceu uma menina que recebeu o nome de Elke, em homenagem a Elke Maravilha.

O despacho em favor de Edna encontrou eco, na consciência das pessoas, desde o momento em que foi prolatado. Eu não me apercebera, no instante da proferição, de que a decisão contivesse um apelo emocional forte. Quando terminei as audiências do dia e passei pelo Cartório Criminal, para me despedir dos funcionários, o doutor Henrique Francisco Lucas, titular do cartório, disse-me:

“Doutor João, já tirei mais ou menos trinta cópias xerox do despacho de Edna, solicitadas por pessoas que queriam guardá-lo consigo.”

Respondi então ao Dr. Henrique:

“Vamos ver então o que há nesse despacho.”

E o li calmamente para sentir o motivo pelo qual causara essa reação, já que nunca acontecera que de uma decisão minha fossem tiradas trinta cópias xerox, solicitadas por trinta pessoas diferentes.

Fatos ulteriores convenceram-me de que alguma coisa especial aconteceu naqueles minutos em que libertei Edna, a começar pela própria Edna que simplesmente deixou a prostituição, como vim a saber pela boca da própria Edna: “Quando o senhor me soltou, Doutor João, eu decidi: posso passar fome, mas prostituta eu não serei mais.”

Em e-mail que me mandou no dia 11 de março de 2005, o jornalista Chico Pardal, do jornal “A Gazeta”, de Vitória, manifestou seu desejo de escrever uma matéria sobre o “caso Edna”.

Eu respondi ao e-mail do jornalista, nestes termos:

Não sei onde Edna estaria hoje. Não sei se uma matéria em grande jornal não iria constrangê-la. Só vejo ser essa matéria possível se isto não a incomodar, se a matéria não lhe trouxer qualquer mal (a ela e à filha). Posso lhe dizer que Edna me fez mais bem do que eu a ela. Edna me ensinou a ser juiz e depois do encontro com ela nunca mais fui o mesmo. Se não tive medo de libertá-la diante dos dogmas dominantes; se não tive medo de libertá-la numa fase histórica em que os magistrados estavam privados de suas garantias; se não tive medo de arrostar o "figurino" obrigatório que fazia da maconha, mesmo o simples consumo, um delito gravíssimo porque através desse delito os jovens não simpáticos ao regime podiam ser colhidos; se não tive receio de todos esses perigos, não poderia, dali para a frente, ter qualquer outro tipo de medo Por isso, concluo: eu libertei Edna e Edna também me libertou Nunca escrevi isto que estou dizendo a você neste e-mail. Estou abrindo minha alma, queridíssimo Chico Pardal.(CJ)(exclusiva on line)
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